Podcast Vivendo com Fabry. Entenda um pouco mais da jornada de quem vive com a doença.
Wanderlei Cento Fante: “Olá a todos. Meu nome é Wanderlei Cento Fante. Atualmente, estou com 61 anos de idade. Sou técnico em eletrônica e técnico em informática. Sou casado e não tenho filhos. Sou portador da Doença de Fabry, da síndrome do Dr. Anderson-Fabry, que é rara.
Gostaria de dizer a todos quais são os sintomas que nós, portadores de Fabry, apresentamos na infância. Eu sentia muita ardência nos pés e dores insuportáveis. Em alguns dias, as dores perduravam mais, em outros, menos.
Tive dificuldade para enfrentar a escola, devido ao calor, principalmente no verão, que incomoda bastante. Na infância, o paciente de Fabry sofre bastante. Isso é muito delicado para nós. Também é complicado porque não sabíamos o que tínhamos, o porquê dos sintomas.
Na infância, temos tempos limitados e eu, sinceramente, nunca tive uma infância como as outras crianças. Pular, brincar, correr, jogar bola, virar piruleta. Não, não. O portador de Fabry, infelizmente, fica muito triste e, às vezes, muito isolado. Era difícil.
Os colegas me chamavam durante o dia: "vamos brincar, jogar bola, caminhar" e eu era obrigado a não aceitar, porque não suportava tudo isso. Realmente, o portador da Doença de Fabry sofre muito devido ao isolamento.
Continuando a minha jornada pela Doença de Fabry, passando pelos momentos do diagnóstico e tratamento, faço uma ressalva: meu pai me levou ao clínico geral. Fiz a consulta, contei todos os meus problemas, tudo que eu sentia, e o clínico geral não pediu nenhum exame, ele simplesmente conversou com meu pai e disse que podia ser manha. Segundo o médico: “na infância e adolescência, é comum a criança não querer ir à escola e falar que não suporta o calor”.
Depois disso, devido aos sintomas de ardência e calor, o médico aconselhou meu pai a me levar a uma consulta com um psiquiatra. Mais uma vez, cito essa caminhada longa já na minha adolescência. Meu pai conseguiu uma consulta e comecei a fazer acompanhamento.
O psiquiatra deu um diagnóstico de fotofobia, porque eu não suportava a luz e o calor. Ele perguntou se isso também ocorria durante a noite. Eu disse que, às vezes, melhorava, às vezes, não. Fiz um acompanhamento com o psiquiatra por quase um ano. Tomei vários remédios, centenas e centenas de remédios e tudo continuou igual, até que ele resolveu me internar em um sanatório, quando eu estava com 16 anos de idade, em 1976.
Naquela época, isso era comum. Hoje, é totalmente diferente, existem leis que regulam esse tipo de conduta. Essa foi mais uma situação grave para o meu lado. Fiquei três meses internado no sanatório, em um pavilhão com adolescentes e, infelizmente, perdi meu tempo lá.
Continuando a minha jornada de paciente de Fabry em busca diagnóstico e tratamento, passou o sanatório, nada se resolveu, as dores continuavam, as queimações, eu não suportava sol, não fazia atividade física, exceto quando o tempo era de frio amenizado, porque as dores diminuíam um pouco.
Passado um determinado tempo, da adolescência para a fase adulta, com meus 21/22 anos de idade, percebi que meus pés incharam do nada. Passei, novamente, com um outro clínico geral, em outro hospital, e ele prescreveu antibiótico, mas não resolveu absolutamente nada.
Depois de um ano, mais ou menos, meus pais conversaram com as pessoas sobre o assunto e alguns conhecidos sugeriram que eles me levassem à Universidade de Campinas (Unicamp), que era muito boa, "quem sabe eles podem achar o problema de saúde dele".
Meus pais me levaram e eu marquei uma consulta. Primeiro, passamos por um clínico geral. Contei meu histórico e ele resolveu fazer alguns exames: de anemia, urina, sangue para ver os leucócitos, ou seja, os exames normais. Quando o resultado chegou, o clínico geral percebeu a proteinúria no exame de urina.
O médico ficou um pouco preocupado e disse que existia a possibilidade de um problema renal estar afetando outras funções do corpo. Ele me indicou o nefrologista na Unicamp. A partir disso, comecei a ser acompanhado pelo nefrologista, não tanto pelas dores e queimação, mas mais pelos rins.
Existia uma perda de proteinúria leve, mas eles não sabiam qual era a causa. A cada quatro meses, eu voltava, e essa foi a minha jornada. Os médicos não conseguiram achar o problema de aumento da proteinúria.
Quando completei meus 32 anos, em 1995, apareceu uma bolinha no meu pé, do nada, e me indicaram uma dermatologista. Marquei a consulta e a médica fez um tratamento com sabonete, o pé sarou em sete dias. Resolvi contar para ela: "doutora, tenho todos esses problemas, tenho pintinhas na barriga, que são angioqueratomas, queimação, ardência”. Bom, contei tudo para ela. Ela acabou fazendo um diagnóstico, "Wanderlei, temos, mais ou menos, uma ideia do que o senhor pode ter, mas, primeiro, vamos fazer um exame para confirmar”. Ela fez uma biópsia das pintinhas vermelhas na região genital, chamadas de angioqueratomas, mandou fazer uma microscopia eletrônica e, por fim, ela chegou ao diagnóstico da Doença de Fabry.
Eu não sabia o que era isso. Para mim, foi até um alívio saber que tinha algo responsável por todos esses problemas. Por outro lado, senti tristeza, porque, a partir disso, eu precisaria ver o que fazer. Perguntei para ela: “como a doutora conseguiu fazer esse diagnóstico?”. Ela respondeu que esteve em um evento nos Estados Unidos onde falaram sobre a Doença de Fabry, e todos os meus sintomas bateram exatamente com o que ela ouviu no evento. Ela disse que eu era o primeiro paciente, do Brasil, diagnosticado com a doença rara de Fabry.
Após esse diagnóstico, eu e meu pais fomos bater um papo com a médica. Quando ela falou em Doença de Fabry, meu pai, sem saber, perguntou "o que é isso? É uma fábrica?” e ela respondeu "não, seu Francisco, nada disso". Foi até engraçado, porque Fabry parece ter alguma coisa a ver com fábrica, mas, claro, que não tem.
Nesse momento, meu pai ficou sem resposta. Eu, então, fiquei preocupado, com medo, e foi aí que eu perguntei para a doutora "já que tenho a Doença de Fabry, seria possível já prescrever a receita para o tratamento?". Quando disse isso, meu pai estava junto. A doutora falou: "infelizmente, tratamento só daqui a 20 anos". Eu pensei "pelo amor de Deus, agora pode esquecer, até lá, nem osso tem mais, como modo de dizer".
Meu pai e eu ficamos estarrecidos. A doutora falou: "o que podemos fazer é o acompanhamento, porque o senhor já tem presença de proteinúria e isso é uma coisa grave. Vou fazer uma carta, um relatório, para que você faça esse acompanhamento até que o tratamento chegue no Brasil".
Com essa idade, já não suportava a claridade, me incomodava demais. Já tinha córnea verticilata, estava iniciando a catarata subcapsular e tudo isso fez parte dos diagnósticos.
Como é viver com Fabry? Viver com Fabry é viver bem, estar contente, alegre, e nunca faltar ao tratamento. Manter o seu tratamento em dia para que cada dia se torne melhor.
Quais as dificuldades enfrentadas no dia a dia do paciente de Fabry? Isso vai depender de cada caso, cada paciente é um paciente, mas eu enfrento o dia a dia com muita clareza e bom otimismo.
Quais hábitos precisamos ter enquanto pacientes de Fabry? A compreensão da natureza e do próprio tratamento. É necessário entender, também, que, como o tratamento é a longo prazo, não dá para se precipitar em ações que não vão te fazer sentir bem.
O apoio familiar também é muito importante, contando com a compreensão de que essa doença rara é muito complexa. O importante é a família entender. Muitas vezes, quando o paciente não tem diagnóstico, ele pode ser maltratado pelos pais, chamado de preguiçoso, por não querer fazer nada. Isso é muito doloroso, porque a Doença de Fabry é grave, não é uma gripe.
Como nos sentimos? Obviamente, só de estar fazendo o tratamento, nos sentimos com a autoestima muito boa. Para nós, portadores da doença de Fabry, o importante é o apoio familiar, seja na infância, na adolescência ou na vida adulta. Esse acompanhamento nos dá mais firmeza e confiança. O acompanhamento dos meus pais até a idade adulta foi muito importante.
Meus pais ficaram muito preocupados em ter um filho com uma doença que ninguém sabia sobre. Quando tive o diagnóstico de Fabry, acredito que eles ficaram mais deprimidos do que eu. Mas, tudo isso foi superado, com o apoio deles e eu também falando, conseguindo o tratamento, diagnóstico, e, agora, é bola para a frente.
Isso foi muito importante e hoje, graças a Deus, agradeço muito o apoio dos meus familiares nessa longa jornada. Creio, também, que o apoio familiar envolve questões como entender e compreender as nossas necessidades e dificuldades.
Era isso que gostaria de deixar aqui. Após o meu diagnóstico de Doença de Fabry ser confirmado, o médico sugeriu um heredograma, que envolve a realização de exames em todos os familiares (primo, irmão, pai, mãe e tia etc.).
Quero deixar uma observação! Minha mãe, infelizmente, tinha problemas psiquiátricos que nunca foram descobertos. Ela faleceu com um ataque cardíaco. A Doença de Fabry também dá problema cardíaco e, se não houver um tratamento adequado, o paciente pode ir a óbito.
Por isso, é muito importante esse diagnóstico familiar. Como é a mulher que transmite a Doença de Fabry para os filhos homens (o homem só transmite para as filhas mulheres), descobri que minha mãe talvez fosse portadora dos cromossomos 2x. Nesse caso, a mulher pode enviar um cromossomo alterado ou um bom para o filho.
No meu caso, somos três irmãos e somente eu recebi o gene alterado da Doença de Fabry. Vale lembrar que solicitamos exames para os meus dois irmãos e, graças a Deus, eles não herdaram o gene do Fabry.
Não deu tempo da minha mãe fazer o diagnóstico, porque ela faleceu no meio do meu processo. Mas, é muito provável, segundo os médicos, que ela fosse portadora da Doença de Fabry, porque ela faleceu de um ataque cardíaco, e a doença não tratada afeta o coração com o passar dos anos.
Mando um grande abraço a todos os nossos irmãos, pacientes de Fabry no Brasil, bem como de doenças raras em geral. Quero agradecer muito essa oportunidade de contar um pouquinho da minha história. Minha história é muito longa, fiz um pequeno resumo, e agradeço mesmo, de coração, a todos os pacientes de Fabry no Brasil. Tenham fé, vontade e não desanimem. Muito obrigado a todos”.
Todo o conteúdo da transcrição foi produzido com base nas falas do paciente Wanderlei Cento Fante para o podcast “Vivendo com Fabry”.
Wanderlei Cento Fante
Wanderlei Cento Fante tem 61 anos, é técnico em eletrônica e informática, e foi o primeiro paciente diagnosticado com a Doença de Fabry no Brasil. Casado e sem filhos, Wanderlei só teve acesso a tratamento adequado após os 30 anos e, hoje, convive com a Doença de Fabry de forma controlada.
C-ANPROM/BR/RDBU/0008 – DEZEMBRO 2021
MATERIAL DESTINADO AO PÚBLICO EM GERAL.